quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e reserva do possível

“ (...) A cláusula da reserva do possível que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana (...)” (STF, ARE 639.337 AgR / SP, Rel. Min. Celso de Mello)

Com este entendimento o Supremo Tribunal Federal afastou a incidência da denominada “cláusula da reserva do possível” do contexto de efetividade do direito à educação. No caso, entendeu-se que as limitações orçamentárias do município não configuram óbices legítimos a impedir que crianças sejam matriculadas em escolas e creches próximas de suas residências ou dos locais e trabalho de seus pais.

O direito à educação infantil, por incluir-se no mínimo existencial, não estaria sujeito, portanto, à discricionariedade do ente estatal para ver-se concretizado, nem mesmo à eventual ponderação.

Questão semelhante já foi observada com relação ao direito à saúde:

O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República [...].

[...] Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa organização federativa [...]. (STF, RE 271286/RS, Relator:  Min. Celso de Mello, Decisão Monocrática, julgado em 12.09.2000, DJ de 24.11.2000).

Publicado no Blog Cultura & Direito

domingo, 11 de setembro de 2011

"Trocando mitos por história", por Laura Greenhalgh (Estadão)

"Eric Hobsbawm fala do 11/9 e de um mundo sem rumo onde se quer provar o gosto da diversidade" (n'O Estado de S. Paulo, de 10/11/2011, clique aqui)


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

"Juiz tem de estudar", por José Renato Nalini

O texto foi publicado n'O Estado de São Paulo, em 05/09/2011 (clique aqui).

"Nunca se duvidou de que para ser juiz é preciso estar disposto a sacrifícios. O concurso de ingresso na magistratura converteu-se num complexo de exigências que poucos superam. Espera-se que o julgador seja uma enciclopédia de conhecimentos que inclua a integralidade do prolífico cipoal normativo, totalidade da doutrina e jurisprudência dominante, sem descurar de conhecer as divergências.

Por esse motivo, a conclusão do bacharelado em ciências jurídicas é mero pressuposto a se habilitar ao certame seletivo. A alternativa é imergir no estudo contínuo ou seguir os passos postos à disposição pelos bem-sucedidos cursinhos de preparação.

Os concursos vinham sendo os mesmos, previsíveis e sem inovação, até à edição da Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Este novo órgão do Poder Judiciário, situado na topografia constitucional logo abaixo do Supremo Tribunal Federal (STF) e acima do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assumiu suas atribuições e se pôs a disciplinar uma Justiça que até então formava um enorme arquipélago de autonomias.

Escusado questionar a competência do CNJ para normatizar os processos de seleção, pois o colegiado está no pacto federativo e ninguém oferece argumentos capazes de reduzir a sua legitimidade. Nem se invoque o assimétrico federalismo brasileiro, mal copiado quando da instauração da República e que, sendo às avessas do modelo americano, não conseguiu disfarçar a vocação centralizadora do Estado.

A Resolução n.º 75/2009 alterou, de maneira substancial, a forma de recrutamento dos juízes. O aspecto mais relevante é a exigência de outros saberes, que não exclusivamente a técnica jurídica. Para se tornar magistrado o candidato precisa se interessar por ética, filosofia, sociologia, psicologia, teoria geral do direito, gestão das unidades judiciais. Não se exclui, por óbvio, o domínio das ciências do direito. Mas se introduz no sistema a constatação de que o ser humano chamado a julgar seu semelhante precisa exatamente deste atributo imprescindível: humanismo.

A erudição traduzida por um acervo de informações que mais comprovam a capacidade mnemônica do que um chamado a exercer uma carreira já não se mostra suficiente. Foi um passo enorme em direção ao aperfeiçoamento na escolha de quem se tornará vitalício e servirá a seu povo - presumivelmente - durante algumas décadas.

Ainda é preciso avançar na aferição da capacidade de trabalho. O Judiciário é serviço público, remunerado pelo erário, posto à disposição dos destinatários que o sustentam. Não é emprego para quem gosta de filosofar, para quem superestima a sua autoridade ou não se preocupa com a otimização dos parcos esquemas postos à sua disposição, com vista a outorgar o melhor justo concreto.

Produtividade requer consciência e talento. O desmotivado é incapaz de superar dificuldades e enfrentar o desafio de um volume crescente de processos. Muitos dos quais, reconheça-se, não ostentam complexidade. Queira ou não, o juiz torna-se um especialista. Acredita-se que o trato contínuo com as questões postas à sua apreciação o convertam num experto capaz de acelerar a prestação jurisdicional. O Judiciário está submetido ao princípio da eficiência, colocado no texto constitucional dez anos depois da promulgação da Carta cidadã, exatamente porque a Justiça não conseguia adequar-se aos anseios contemporâneos.

Para completar a mudança na seleção dos novos quadros o CNJ também editou o Código de Ética da Magistratura, que em 2011 completa três anos. Nele se inseriu o comando ético do conhecimento e capacitação permanente do magistrado. É o contraponto ao direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de justiça.

Não significa o crescimento intelectual exclusivamente nas disciplinas jurídicas, embora ele continue exigível e não se consiga decidir sem apreender o direito. Mas o Código da Magistratura insiste nas capacidades técnicas e nas atitudes éticas adequadas a uma correta aplicação do direito.

Enfatiza a codificação destinada ao juiz brasileiro que a obrigação de formação contínua se estende tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.

Inegável o plus qualitativo de quem estudar psicologia, para melhor lidar com o sofrimento humano. Todo processo tem uma carga de angústias que a pasteurização da forma e da excessiva tecnicalidade não consegue ocultar. Mas é preciso penetrar na seara sociológica, antropológica, econômica, histórica e política, sem o que o magistrado será um profissional incompleto. Deslocado do contexto social, insuficientemente preparado, produtor de potenciais injustiças, em lugar de assumir o papel de décideur, pacificador e conciliador das partes que controvertem.

Os novos tempos impõem a quem queira bem cumprir o seu dever de solucionar conflitos a obrigação do estudo permanente. A formação continuada servirá não apenas para o desempenho adequado do ofício, mas também para o melhor desenvolvimento do direito e administração da justiça. O direito não é senão ferramenta de tornar os homens menos infelizes. Não é ciência neutral, de que podem servir-se os desprovidos de freios inibitórios, aqueles que fazem da ética um deboche e instrumentalizam a Justiça para melhor se safar das responsabilidades.

O compromisso do estudo incessante é pessoal, de cada integrante do Judiciário. Mas constitui dever de cada magistrado atuar no sentido de que a instituição a que serve também ofereça os meios para que sua formação tenha prosseguimento. Sem isso não se oferecerá ao povo brasileiro a justiça oportuna e de melhor qualidade que há muito ele está a exigir.

DESEMBARGADOR, FOI PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS"

domingo, 4 de setembro de 2011

Informativo 481 do STJ (os grifos são nossos)

REPETITIVO. FRAUDE. TERCEIROS. ABERTURA. CONTA-CORRENTE. Trata-se, na origem, de ação declaratória de inexistência de dívida cumulada com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra instituição financeira na qual o recorrente alega nunca ter tido relação jurídica com ela, mas que, apesar disso, teve seu nome negativado em cadastro de proteção ao crédito em razão de dívida que jamais contraiu, situação que lhe causou sérios transtornos e manifesto abalo psicológico. Na espécie, o tribunal a quo afastou a responsabilidade da instituição financeira pela abertura de conta-corrente em nome do recorrente ao fundamento de que um terceiro a efetuou mediante a utilização de documentos originais. Assim, a Seção, ao julgar o recurso sob o regime do art. 543-C do CPC c/c a Res. n. 8/2008-STJ, entendeu que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – por exemplo, a abertura de conta-corrente ou o recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos –, uma vez que tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento. Daí, a Seção deu provimento ao recurso e fixou a indenização por danos morais em R$ 15 mil com correção monetária a partir do julgamento desse recurso (Súm. n. 362-STJ) e juros de mora a contar da data do evento danoso (Súm. n. 54-STJ), bem como declarou inexistente a dívida e determinou a imediata exclusão do nome do recorrente dos cadastros de proteção ao crédito, sob pena de multa de R$ 100,00 por dia de descumprimento”. (STJ, REsp. 1.197.929/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/8/2011).

REPETITIVO. FRAUDE. TERCEIROS. ABERTURA. CONTA-CORRENTE.
A Seção, ao julgar o recurso sob o regime do art. 543-C do CPC c/c a Res. n. 8/2008-STJ, tal como decidido no julgamento do REsp 1.197.929-PR, entendeu que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimo mediante fraude ou utilização de documentos falsos –, uma vez que tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento. No caso, o tribunal a quo afastou a responsabilidade do banco pela abertura de conta-corrente em nome da recorrente ao fundamento de se tratar de fraude de difícil percepção (foi utilizada cópia original de certidão de nascimento para a confecção da carteira de identidade e, de posse dela, o falsário promoveu a abertura da conta-corrente). Daí, a Seção deu provimento ao recurso e arbitrou a indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil com correção monetária a partir da data do julgamento (Súm. n. 362-STJ) e juros de mora desde a data do evento danoso (Súm. n. 54-STJ). REsp 1.199.782-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/8/2011.

ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS.
Trata-se, na origem, de ação movida pela ora recorrida (vítima) contra o ora interessado (hospital) postulando indenização por danos morais e materiais. A alegação central na ação é a ocorrência de suposto erro médico que teria ensejado o retardamento do parto da recorrida, causando-lhe lesões corporais, bem como encefalopatia hipóxica isquêmica em sua filha recém-nascida, ante a prolongada privação de oxigênio que provocou gravíssima lesão cerebral, tida por irreversível, fazendo com que a menor dependa de cuidados médicos especializados por toda a vida. Citado, o hospital apresentou contestação, denunciando à lide o médico responsável, o ora recorrente. A sentença julgou procedente a ação para condenar o hospital ao pagamento de indenização por danos morais no importe de 100 salários mínimos, além de danos físicos (materiais) no mesmo valor e de pensão mensal vitalícia para a recorrida e sua filha, no importe de um salário mínimo para cada uma. Julgou, ainda, procedente a denunciação da lide para condenar solidariamente o recorrente ao pagamento de indenização por danos morais no montante de 150 salários mínimos, além de danos físicos (materiais) no mesmo valor e de pensão mensal vitalícia para a recorrida e sua filha no importe de um salário mínimo para cada uma. O tribunal a quo manteve a decisão. O ora recorrente interpôs recurso especial, inadmitido pelo tribunal a quo, decisão objeto do agravo de instrumento provido pelo Min. Relator. No REsp, o recorrente, em síntese, alega negativa de vigência dos arts. 2º e 3º do CDC; 159 do CC/1916; 113, § 2º, 128, 131, 267, § 3º, 301, § 4º, 458, II, e 460 do CPC. Assevera o Min. Relator que a existência de resolução do tribunal de justiça que expressamente atribuiu ao juízo cível a competência para processar e julgar os litígios decorrentes das relações de consumo torna prejudicada a arguição de nulidade por incompetência absoluta. E que, aceita a denunciação da lide e apresentada a contestação quanto ao mérito da causa, o recorrente assume a condição de litisconsorte do réu, podendo, por conseguinte, ser condenado, direta e solidariamente com aquele, na mesma sentença, ao pagamento da indenização. O valor da indenização por dano moral somente pode ser revisto na instância especial nos casos de flagrante caráter irrisório ou exorbitante, o que não ocorre na hipótese. Finalmente, em relação à quantificação dos danos materiais e da pensão vitalícia, as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias pautaram-se em elementos fático-probatórios, cuja revisão é inviável nesta instância (Súm. n. 7-STJ). REsp 1.195.656-BA. Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 16/8/2011.

INDENIZAÇÃO. SOLIDARIEDADE. CONCESSIONÁRIA. FABRICANTE. VEÍCULO.
Noticiam os autos que a recorrente adquiriu veículo na concessionária representante de fábrica de automóveis, entretanto a aquisição não se consumou, tendo a concessionária deixado de funcionar e de entregar o veículo. O tribunal de origem deu provimento à apelação da fabricante, ora recorrida, e reformou a sentença por não reconhecer a responsabilidade solidária entre ela e a concessionária. Nesse contexto, conforme precedentes deste Superior Tribunal, é impossível afastar a solidariedade entre a fabricante e a concessionária, podendo ser a demanda ajuizada contra qualquer uma das coobrigadas, como no caso. Contudo, a existência de solidariedade não impede ser apurado o nexo de causalidade entre as condutas dos supostos responsáveis para concluir pela responsabilização de um só. Precedente citado: REsp 402.356-MA, DJ 23/6/2003. REsp 1.155.730-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 16/8/2011 (ver Informativo n. 452).

HC. EXECUÇÃO. ACORDO. PARTILHA. RENÚNCIA. ALIMENTOS.
Trata-se de habeas corpus por inadimplemento de pensão alimentícia. A execução de pensão alimentícia em concomitância com o curso de execução de acordo entre ex-cônjuges relativo à partilha de bens no qual o ex-cônjuge se comprometeu, ainda, a renunciar aos alimentos caracteriza bis in idem e impede a execução daquela pelo rito preconizado no art. 733 do CPC. O não exercício do direito à percepção de alimentos pelo lapso temporal de 30 anos, apesar de não importar em exoneração automática da obrigação alimentar, torna possível afastar a possibilidade de prisão civil do alimentante inadimplente, pois questionável a necessidade do alimentado e, por conseguinte, desnecessária a coação extrema, que tem o escopo único de resguardar a sobrevida de quem recebe alimentos. Com esse entendimento, a Turma concedeu a ordem. HC 187.202-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/8/2011.

PRESCRIÇÃO. QUOTAS CONDOMINIAIS. CC/2002.
A Turma deu parcial provimento ao REsp por entender que, na vigência do CC/1916, o crédito condominial prescrevia em 20 anos nos termos do seu art. 177. Entretanto, com a entrada em vigor do novo Código Civil, o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança das quotas condominiais passou a ser de cinco anos nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, observada a regra de transição do art. 2.028 do mesmo codex. REsp 1.139.030-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/8/2011.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO ILÍCITO. SÓCIOS ADMINISTRADORES.
Discute-se no REsp se o reconhecimento da divisibilidade da obrigação de reparar os prejuízos decorrentes de ato ilícito desnatura a solidariedade dos sócios administradores de sociedade limitada para responderem por comprovados prejuízos causados à própria sociedade em virtude de má administração. Na hipótese, a Turma entendeu ficar comprovado que todos os onze sócios eram administradores e realizaram uma má gestão da sociedade autora, acarretando-lhe prejuízos de ordem material e não haver incompatibilidade qualquer entre a solidariedade passiva e as obrigações divisíveis, estando o credor autorizado a exigir de qualquer dos devedores o cumprimento integral da obrigação, cuja satisfação não extingue os deveres dos coobrigados, os quais podem ser demandados em ação regressiva. As obrigações solidárias e indivisíveis têm consequência prática semelhante, qual seja, a impossibilidade de serem pagas por partes, mas são obrigações diferentes, porquanto a indivisibilidade resulta da natureza da prestação (art. 258 do CPC), enquanto a solidariedade decorre de contrato ou da lei (art. 265 do CC/2002). Nada obsta a existência de obrigação solidária de coisa divisível, tal como ocorre com uma condenação em dinheiro, de modo que todos os devedores vão responder integralmente pela dívida. Em regra, o administrador não tem responsabilidade pessoal pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em decorrência de regulares atos de gestão. Todavia, os administradores serão obrigados pessoalmente e solidariamente pelo ressarcimento do dano, na forma da responsabilidade civil por ato ilícito, perante a sociedade e terceiros prejudicados quando, dentro de suas atribuições e poderes, agirem de forma culposa. Precedente citado: REsp 1.119.458-RO, DJe 29/4/2010. REsp 1.087.142-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/8/2011.

REGISTRO CIVIL. ANULAÇÃO. PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA.
Discute-se no REsp se o pai biológico tem legitimidade para pedir a alteração do registro civil de sua filha biológica do qual hoje consta como pai o nome de outrem e, ainda, caso ultrapassado de forma positiva esse debate, o próprio mérito da ação originária quanto à conveniência da alteração registral pleiteada pelo pai biológico. Na espécie, a Turma entendeu que a paternidade biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a filiação, apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame genético para definir questões relativa à filiação. Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, a concorrência de elementos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, arrimada em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família. Na hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção da necessária paternidade socioafetiva, tomam-lhes o direito de se insurgir contra os fatos consolidados. A omissão do recorrido, que contribuiu decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe, atrai o entendimento de que a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito, fenecendo, assim, a sua legitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de nascimento de sua filha biológica. Precedente citado: REsp 119.346-GO, DJ 23/6/2003. REsp 1.087.163-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/8/2011.

AÇÃO NEGATÓRIA. PATERNIDADE. VÍCIO. CONSENTIMENTO.
Trata-se, na origem, de ação anulatória de registro de nascimento. O tribunal a quo, lastreado no conjunto fático-probatório, entendeu não estar caracterizado o vício de consentimento apto a ensejar a nulidade pretendida. Daí, a Turma não conheceu do recurso e reiterou seu entendimento de que o reconhecimento espontâneo da paternidade apenas pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, ou seja, para que haja a possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta de que o pai registral foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, de que tenha sido coagido a tanto. Precedentes citados: REsp 1.022.763-RS, DJe 3/2/2009; REsp 932.692-DF, DJe 12/2/2009, e REsp 1.088.157-PB, DJe 4/8/2009. REsp 1.098.036-GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 23/8/2011.

RESPONSABILIDADE. PROVEDOR. CONTEÚDO. MENSAGENS OFENSIVAS. INTERNET.
Trata-se, na origem, de ação indenizatória por danos morais em que o recorrido alega ser alvo de ofensas em página na Internet por meio de rede social mantida por provedor. Assim, a Turma deu provimento ao recurso, afastando a responsabilidade do provedor pelos danos morais suportados pelo recorrido, ao entender que os provedores de conteúdo, como o recorrente – que disponibilizam, na rede, informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores, sendo esses que produzem as informações divulgadas na Internet –, não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações prestadas no site por seus usuários, devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responder pelos danos respectivos, devendo manter, ainda, um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será analisada caso a caso. Na espécie, o provedor, uma vez ciente da existência de material de conteúdo ofensivo, adotou todas as providências tendentes à imediata remoção do site. Ademais, a rede social disponibilizada pelo provedor mantém um canal para que as pessoas cuja identidade tiver sido violada solicitem a exclusão da conta falsa, bem como para que seja feita denúncia de abuso na utilização de perfis individuais ou comunidades. A recorrente mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada de um provedor de conteúdo. REsp 1.186.616-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/8/2011.

GUARDA COMPARTILHADA. ALTERNÂNCIA. RESIDÊNCIA. MENOR.
A guarda compartilhada (art. 1.583, § 1º, do CC/2002) busca a proteção plena do interesse dos filhos, sendo o ideal buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico do duplo referencial. Mesmo na ausência de consenso do antigo casal, o melhor interesse do menor dita a aplicação da guarda compartilhada. Se assim não fosse, a ausência de consenso, que poderia inviabilizar a guarda compartilhada, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente porque contraria a finalidade do poder familiar, que existe para proteção da prole. A drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de cada um dos pais e do período de convivência da criança sob a guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal letra morta. A custódia física conjunta é o ideal buscado na fixação da guarda compartilhada porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência das fontes bifrontais de exercício do poder familiar. A guarda compartilhada com o exercício conjunto da custódia física é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade de conviver com ambos os pais, ao mesmo tempo em que preconiza a interação deles no processo de criação. REsp 1.251.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/8/2011.

DESCONTO. FOLHA. PAGAMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. LIMITAÇÃO.
Trata-se, na origem, de ação em que servidor público estadual aduz que os descontos facultativos de sua remuneração inviabilizam a garantia de uma renda mínima existencial e pretende que os descontos sejam reduzidos ao percentual de 30% de seus vencimentos, mantidos os termos do contrato de empréstimo consignado em folha de pagamento. O tribunal a quo, ao interpretar o Dec. Estadual n. 43.574/2005, entendeu que a soma mensal das consignações facultativas e obrigatórias de servidor público do estado do Rio Grande do Sul não poderá exceder a 70% do valor de sua remuneração mensal bruta. A limitação contida na norma estadual veda a hipótese de o servidor público gaúcho arcar com prestações de empréstimos com desconto em folha acrescidas das cobranças obrigatórias (pensão alimentícia, contribuição previdenciária, imposto de renda, adiantamento de férias, adiantamento de décimo terceiro etc.) que eventualmente superem, em determinado mês, 70% de seus vencimentos. Os arts. 8º do Dec. n. 6.386/2008, 2º, § 2º, I, da Lei n. 10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei n. 8.112/1990 estabelecem que a soma do desconto em folha de pagamento referente aos descontos de prestações de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil não poderão exceder a 30% da remuneração do trabalhador. Assim, a Turma deu parcial provimento ao recurso ao entender que as normas atinentes à administração pública federal aplicam-se subsidiariamente às administrações estaduais e municipais. Assentou que a soma dos descontos em folha de todas as prestações de empréstimos contratados pelo recorrente fique limitada a 30% de sua remuneração. Precedentes citados: REsp 1.186.565-RS, DJe 3/2/2011; AgRg no Ag 1.381.307-DF, DJe 27/4/2011; RMS 21.380-MT, DJ 15/10/2007, RMS 13.439-MG, DJ 29/3/2004. REsp 1.169.334-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/8/2011.